Aproveite para comparar com o Natal de épocas ainda piores no tempo da "outra senhora":
O NATAL NUNCA VEM SÓ
Mais ou menos pelos meus 6 anitos, na quadra natalícia, ficaram-me na memória algumas peripécias, que pela forma como me marcaram, não mais esqueci. Depois de muito rebuscar por cantos e armários, na esperança de encontrar algum pão de milho (broa) escondido, como por vezes anteriormente tinha achado. Num triste dia o que encontrei era mais duro e seco que das outras vezes, como a fome mandava, zás toca a mastigar, ao constatar que se tratava de sabão azul e branco, a minha tristeza e fome aumentaram ainda mais, saindo agoniado até à porta de casa que, nessa época ainda era virada para o caminho principal no lugar do Tojal.
Um pouco depois, já mais recomposto, fui levantando o olhar e vejo a aproximar-se de mim uma das minhas vizinhas, com poucos anitos mais que eu, trazendo algo como que escondido e ao entregar-me diz "toma moço e esconde-te", eu sabia na carne o significado do "esconde-te", qualquer alimento era uma bênção nessa época. Noutra altura, tive a minha prenda de Natal, antecipada, duas batatinhas dadas por outra vizinha. Ao entrar em minha casa e ver-me sozinho, pensei, "caramba, eu sozinho e aqui com batatas para um manjar?" Aí, vai de procurar lenha que em dias anteriores tinha ido buscar ao monte, e ai de mim que não fosse… armei-me em cozinheiro, procurei o pote de ferro, qual sal qual quê (não havia), água da fonte da Meijoada, as batatas, cozinheiro a tratar já me ia sentindo um rei à espera do manjar. A pressa e fome eram tão grandes que nem as deixei acabar de cozer… garanto que, não mais comi na vida batatas meio cruas, mas souberam-me tão bem naquela altura...
Outra das minhas vizinhas, que por razões óbvias eu omito o nome, tinha um gato que era a sua companhia predilecta, até dormia com ela de noite. A forma como dormiam é que deu azo ao apodo que minha Mãe lhe pôs por causa da dona do gato gostar de mamar no seu dedo polegar direito, em simultâneo metia a cabeça do gato na concha da mesma mão, junto ao seu peito, encaixando a cabeça do gato debaixo de seu queixo.
É verdade, tradicionalmente, um Natal nunca vem só e, hoje mais do que nunca, são muitas prendas em melhor qualidade e quantidade. Mas a minha prenda desse Natal, foi bem dolorosa, o incidente com o gato desta minha vizinha, algum tempo depois, quando tentaram travar esse hábito dela dormir com o gato daquela maneira. Depois de tentarem por várias formas, resolveram por fim, à noite fechar tudo e levaram o gato à minha casa para que ele passasse lá algumas noites. Eu não me apercebi disso, tempo muito frio, como é natural num mês de Dezembro e com poucas e más roupas na cama. Num dado momento, meio a dormir, sinto algo mexendo-se junto à minha cara e que afastei sem ter percebido o que era. A situação repetiu-se, eu com tudo às escuras, assustado, conforme agarrei, mandei para longe de mim, continuando a não entender o que se estava a passar.
Minha Mãe tinha-se levantado mais cedo, deixou a janela aberta, terá ido tratar dos seus afazeres. Ao regressar a casa, já estava à sua espera a vizinha que chorando muito levou minha Mãe para trás da minha casa mostrando-lhe o seu gato sangrando. Não me apercebi se o gato já estaria morto, eu com medo fugi, o que as levou a desconfiar, eu sempre a jurar que não tinha feito nada e comentava que não senhor, não veio da janela porque os gatos mandados caem sempre em pé. Não me serviu de nada, tive que continuar chorando e fugindo. Mais tarde, minha Mãe explicou que o gato podia não ter caído em pé porque ao ser mandado pela janela terá batido com a coluna vertebral num dos arames da latada, latada que ainda existe junto à janela da casa virada para o Eido (campo, terreno). Verdade, verdade é que eu não tive a percepção de o ter mandado pela janela mas a janela era relativamente perto da cama onde eu dormia.
O gato lá teve o seu enterro e eu durante algum tempo perdi umas regalias que provinham da minha vizinha "benfeitora". Moral da história, tinha sorte com os vizinhos, mas havia sempre um azar que esperava por mim… E nesse ano foi esta a minha recordação de Natal e me ensinou que, sorte não se tem, procura-se e depois há que cuidar dela como de uma flor. Que Deus me perdoe… e a minha vizinha também.
Apesar de tudo o que passei, a minha terra é rica nas suas gentes, na sua natureza e beleza e a tradição do CANHOTO DO NATAL?…(o madeiro), o calor que ele nos instalava na ALMA. Feliz Natal com esta homenagem ao Amor:
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Editado por Félix Vieira
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