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Se for mesmo muito curioso ou não concorda com o conteúdo deste blogue, deixo-lhe o meu correio electrónico xilefe@gmail.com para que possamos discutir estes assuntos e corrigir os erros ou gralhas daquilo que escrevi. Da diferença nascerá a verdade dos factos. Todos é que sabemos tudo.
Podem usar os textos, imagens e vídeos, desde que informem a autoria e o local da divulgação.

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AGRADECIMENTO PÚBLICO:

Poderá não ser vulgar encontrar a imagem de um Campo Santo
Ver mapa maior">(clique aqui para ver a imagem) postada num blogue. Mas há uma razão muito válida para tal, a de agradecer publicamente às pessoas que, anonimamente, têm cuidado e ornado a campa dos meus saudosos pais, António do Marta e Josefa dos Ferreiros. Estou feliz por ter sabido quem são e eternamente agradecido a ambas pelo carinho desinteressado e a estima dedicada. Nós vos estamos gratos para todo o sempre. Bem-haja.

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22/03/2007

A MINHA FIGUEIRA

A BURRA DO MEU AVÔ E A FIGUEIRA

Em Aboim da Nóbrega era (é?) uso chamar-se Burra ao que em português comum se designa por Égua, no presente caso a Burra do meu avô paterno, Sr Domingos dos Ferreiros (este o nome porque era mais conhecido), era uma Burra das mais grandes, muito bonita, esperta e tinha muitas outras qualidades. Era o transporte privado do meu avô, ele equipava-a muito bem, tinha muito jeito para manualmente trabalhar os arreios com as suas distinções, o que se tornava mais saliente ainda quando ele fazia os seus próprios jugos para as bacas (vacas). Meu avô, tinha jeito para tudo, era o que se poderia chamar de "homem dos sete ofícios", era ele que cortava o meu cabelo, comentando às vezes "tens um cabelo torcido, sais lá ao teu pai", mas o meu Pai tinha um cabelo bem liso, falava mesmo em sentido figurado. Meu Avô e meu Pai nunca se entenderam lá muito bem, esteve sempre de pé a trás, desde o começo do namoro com a minha Mãe. Às vezes ouvia perguntarem a minha Mãe se gostava muito de meu Pai e a resposta não se fazia esperar: "Oh moça está lá calada mulher, o puto é/era muito bonito".
Com esta Burra branca, que ao longe mais parecia um potente Cavalo, meu avô concorria nas provas dos concursos que se realizavam entre Portela do Vade e Santo António Mixões da Serra, atravessando os caminhos de Aboim da Nóbrega por Barges, porque nessa altura ainda não havia estrada. Existiam prémios, não só para os que chegassem nos primeiros lugares, como também, para os que apresentassem as melhores burras (éguas) e cavalos, os melhores adornos e os mais bem trabalhados, cada um exibindo os seus motivos.
Era com esta Burra e seus bons equipamentos que o meu avô se deslocava para todo o lado. Depois tudo era arrumado, da forma que ele tinha destinado, ninguém ousava tocar nos apetrechos e adornos para a Burra, mas meu avô deixava-me cuidar dela em tudo.

Zelar por ela enquanto ele tratava de algum assunto, como por exemplo, enquanto ele assistia à missa. Sabem, meu avô fazia parte dos dois ou três homens que assistiam à missa, entrando pela porta lateral da Igreja que fica entre a torre dos sinos e a capela, ficando entre as Senhoras, na parte da Igreja que a elas pertencia (parece-me que ainda hoje assim é). Reparei nisso aquando dos funerais de meu Pai e minha Mãe (que Deus os tenha em descanço), e nas missas a que assisti por alma deles, sem qualquer intenção ou propósito, fiquei no meio das Senhoras, e os seus olhares, até de rapariguinhas dos 10 aos +/- 18 anos, falavam comigo isso mesmo. Minha Mãe quando falava de meu avô, dizia que ele também era muito bonito.
Era eu que quando estava na casa do meu avô tratava da Burra, levando-a a pastar nos campos ou nos montes. Nos montes chegava a ficar por lá semanas, às vezes tinha que a ir buscar quando o meu avô precisava dela. (Nesse tempo não havia ladrões de gado…). Os equipamentos que eu usava na burra chamavam-se, em plaxo (placho), ou seja, sem nada, mas eu conduzia-a sem dificuldades, tinha-mos os nossos códigos, o que não obstou a que, nalgumas circunstâncias me tivesse visto em apuros, como numa das vezes que a ia pôr a pastar num campo junto a um dos moinhos, como o que se vê no mini filme do Rancho das Lavradeiras de Aboim da Nóbrega.
Deslocava-me devagar para lá, na saída de Barjes (sentido Lameiras), quando de surpresa pássaros levantaram vou-o com forte barulho, a Burra espantou-se desatou a galope, eu não conseguia domina-la, ao chegar ao pé do dito moinho, estancou e eu voei para cair meio dentro de água. Doeu um pouco, reparei que a burra se aproximava de mim, como que a pedir desculpa, montei novamente e lá continuamos amigos.
Numa outra ocasião em que, minha Mãe voltou a deixar comigo a minha irmã Rosa, chegado o momento de levar a Burra para pastar, não tive outro remédio senão levar minha irmã comigo na Égua, o que veio a acontecer mais vezes. Nesse dia, levava-a comigo sentada em cima da Burra atrás de mim agarrando-se com muita força, nessa altura já minha mana estava começando a falar e repetia muitas vezes: "féiiis eu cai…", por sorte e graças à Burra nesse dia não caiu, porque logo de seguida, ao aproximarmo-nos do tal local a onde a Burra já se tinha espantado anteriormente, desta vez parou e eu não consegui que ela me obedecesse enquanto não tirei minha irmã de cima, também desci e caminhamos até ao nosso destino.
De outra vez quando fui buscar a Burra, já ao pôr do sol, caminhado para casa junto à fonte do Dente Santo, pareceu-me que ela vinha contrariada, talvez quisesse estar mais tempo no campo pois estava calor. Mais a diante tivemos que subir uma transversal em direcção à casa do meu avô que confluía com outro caminho que tinha uma grande Figueira alongada para cima da transversal, que eu ao passar a cavalo debaixo dela tinha que me deitar sempre para as crinas da Burra bem agarrado. Nesse dia ao passar esqueci-me de me baixar, bati nesses ramos a Égua espantou-se e fugiu, mesmo tendo-me eu agarrado nas ramagens da figueira, partiram e eu dei com os costados naquela calçada de pedra grande (tipo calçada romana). Mas sabem, tive muita sorte, porque quando reparei bem, estava à beira de um precipício com aproximadamente 12 metros de altura e a Burra também desta vez se aproximou de mim e encostou-me a cabeça como que a fazer tadinho… Era um "puto" de sorte, não era…? Dali em diante sempre que ali passava, reparava como gato escaldado…, dizendo para com os meus botões, olha a minha figueira…
Nota: Nesta imagem, que alguém de bom gosto fez, vê-se toda a área de Barjes e envolventes, por onde eu me deslocava com a Burra do meu avô materno.
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Escrito por Félix Vieira
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19/03/2007

DIA DO PAI



Neste Dia do Pai, mesmo a título póstumo, quero prestar homenagem ao meu Pai que, Deus tenha em descanso, (na foto tirada em 1972), que em Aboim da Nóbrega no lugar do Tojal (foto aérea Google), iniciou o meu Ser, bem como a existências de mais 5 irmãos meus.

Circunstâncias da vida impuseram que não vivesse permanentemente no agregado familiar, mas isso não impediu que estivesse presente na medida do possível e não esqueço o apoio que me deu ao longo da vida, com especial destaque para o meu primeiro emprego aos meus quase 13 anos de idade, na mesma entidade patronal em Vila Franca de Xira a onde ele era o chefe de cozinha.

Hoje que também sou pai de 2 filhos, que são para mim uma felicidade, compreendo o que pais e filhos/pais sentem ao comemorar o Dia do Pai. Numa campa no Campo Santo, que se percebe nitidamente no canto inferior esquerdo do foto Google, têm agora morada eterna os meus PAIS. É com muitas saudades que lhes desejo PAZ ETERNA ÁS SUAS ALMAS.

UM BEM HAJA A TODOS OS PAIS DO MUNDO

Escrito por Félix Vieira
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07/01/2007

BOI DAS BACAS (BOI DA RODA) E AS LAVRADAS NO ÂMBITO COMUNITÁRIO

BOI DAS BACAS (boi das vacas, Boi da Roda). É verdade, também havia o boi das vacas para uso comunitário, não sei se ainda há. Começava por ser escolhido um exemplar que reuni-se as melhores qualidades para a reprodução. Não sei se comprado por todos os habitantes da freguesia ou doado por alguém.

Era utilizado por todos os lavradores que tivessem gado (vacas) para cobrição. Nalguns actos de cobrição das vacas, com toda a minha naturalidade de criança, observava conversas da circunstância, como: "a pá um lenço é pouco, pelo menos mais um lenço ou dois, pode não ter pegado (não ter ficado prenha) só com um" (lenço era o termo usado para qualificar o número de vezes que a vaca era coberta (acto do coito).

A alimentação e cuidados com este boi, também eram colectivos. O boi passava a noite e o dia seguinte com um dos "utentes" onde era alimentado, cuidado e contribuía, quando fosse caso disso, com os seus lenços e ao fim do dia era entregue ao utente seguinte e sucessivamente.

Não fazia mal a ninguém, a menos que se metessem com ele, ou contundissem com os seus domínios (é "humano"/próprio do reino animal). Minha Mãe não tinha vacas, nem em sonho, mas meu avô Domingos sim. E numa das vezes em que a "Internet" (sinal do lenço branco à janela) do meu avô, convoca minha Mãe para o trabalho que nos esperava no dia seguinte, lá fomos. Chegados a casa do meu avô no dia seguinte, já a madrasta de minha Mãe (meu avô casou segunda vez, pois minha avó materna morreu no parto), toda atarefada estava a tratar dos cozinhados que se impunham para o dia, que era de lavrar algumas terras e logo nos deu algo para matar a fome.

Para a lavrada vinham os outros lavradores – contribuindo comunitariamente - trazendo ou não também algumas juntas de vacas para puxar o arado (charrua). A primeira junta (um par de bacas) era fixada ao arado e sequencialmente mais uma ou duas juntas, conforme a dureza ou não do terreno e o espaço do mesmo para viragem das vacas no término das leiras dos campos de cultivo, nalgumas destas leiras existiam altos balados (valados) a separá-las.

Aqui aconteceu mesmo. Era uso e costume pôr um moço dente das bacas (um rapaz a diante das vacas) segurando-as pela soga e conduzindo-as. Neste dia a sorte coube ó Félix. Tudo foi andando bem na parte da manhã, mas depois do almoço, aqueles senhores que tangiam as bacas já com umas malginhas do berde a bordo (Vinho Verde, especialidade da região), não sei aquilatar até que ponto, mas a verdade é que desataram a apertar com as bacas não lhes dando tempo nem espaço para virarem no fim das leiras. Nalgumas dessas viragens eu já passava no ar suspenso das vacas pela soga, acabando por cair à leira de baixo, na horta. Levantei-me bastante assustado e fui-me dali.

O pior foi ao anoitecer, ao aproximar-me da casa de meu avô Domingos que estava com conversas que faziam aumentar os " espinhos" de minha Mãe, que ao ver-me diz "entra meu melro que já conversamos".

Perante a situação, pensando eu numa estratégia para os demover, fui tentando dar-lhes a volta para entrar, mas como eu tinha pouco jeito, não resultou. Encarando procurar onde poderia ficar, lembrei-me de um cortelho dos porcos que o meu avô tinha vago, por já lá não dormirem os porcos (suínos). Eu sabia que aquilo estava limpinho com rama das giestas fresquinha no chão, porque era debaixo de um Cabanal (género de angar à entrada dos domínios do meu avô), alto, o tecto do cortelho era só algum colmo (palha de centeio) distendido sobre algumas ripas de madeira.

Se bem pensei melhor o fiz, como não me queriam deixar entrar sem experimentar os espinhos, dirigi-me ao cortelho entrei de marcha atrás para deixar a porta fechada, continuando a afastar-me tacteando um lugar para me sentar, encontrei algo alto e só entendi que era a cabeça de um toiro quando este ao levantar-se me fez furar o colmo e ficar lá em cima, ouvindo a sua respiração já mais forte e que eu não tinha notado à entrada do cortelho.

Mais uma vez a minha sorte aconteceu, para estar aqui vivo a falar disto com o mundo. Como é natural saí dali num foguete, entrei assustado na casa de meu avô. Minha Mãe, ao ser informada pelo meu avô que tinha recebido o boi da roda por ser a sua vez e o tinha posto no cortelho dos porcos, apertou-me nos braços com muita força e mais uma vez se transformaram os espinhos em rosas. Comi e acabei por passar uma noite tranquila, e porque não? Pois tinha ao pé de mim Uma Mulher de Valor...

Escrito por Félix Vieira
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04/01/2007

HOMENAGEM A MEUS PAIS, JOSÉFA E ANTÓNIO

Nesta foto dos meus Pais que, para mim também simbolizam o Natal, quero prestar-lhes homenagem postuma, com o texto, o Natal nunca vem só, envolvendo a minha gratidão por todos os sacrifícios que tiveram para criar os seus filhos.

O NATAL NUNCA VEM SÓ

Mais ou menos pelos meus 6 anitos, na quadra natalícia, ficaram-me na memória algumas peripécias, que pela forma como me marcaram, não mais esqueci.

Depois de muito rebuscar por cantos e armários, na esperança de encontrar algum pão de milho (broa) escondido, como por vezes anteriormente tinha achado. Num triste dia o que encontrei era mais duro e seco que das outras vezes, como a fome mandava, zás toca a mastigar, ao constatar que se tratava de sabão azul e branco, a minha tristeza e fome aumentaram ainda mais, saindo agoniado até à porta de casa que, nessa época ainda era virada para o caminho principal no lugar do Tojal.

Um pouco depois, já mais recomposto, fui levantando o olhar e vejo a aproximar-se de mim uma das minhas vizinhas, com poucos anitos mais que eu, trazendo algo como que escondido e ao entregar-me diz "toma moço e esconde-te", eu sabia na carne o significado do "esconde-te", qualquer alimento era uma benção nessa época.

Noutra altura, tive a minha prenda de Natal, antecipada, duas batatinhas dadas por outra vizinha. Ao entrar em minha casa e ver-me sozinho, pensei, "caramba, eu sozinho e aqui com batatas para um manjar?" Aí, vai de procurar lenha que em dias anteriores tinha ido buscar ao monte, e ai de mim que não fosse… armei-me em cozinheiro, procurei o pote de ferro, qual sal qual quê (não havia), água da fonte da Meijoada, as batatas, cozinheiro a tratar já me ia sentindo um rei à espera do manjar. A pressa e fome eram tão grandes que nem as deixei acabar de cozer… garanto que, não mais comi na vida batatas meio cruas, mas souberam-me tão bem naquela altura...

Outra das minhas vizinhas, que por razões óbvias eu omito o nome, mais uma das que minha Mãe apodou de "mama na burra", é que minha Mãe era muito especializada em segundos "baptismos", embora fosse vulgar em Aboim da Nóbrega chamarem mama na burra a quem mamasse no dedo. Esta vizinha tinha um gato que era a sua companhia predilecta, até dormia com ela de noite. A forma como dormiam é que deu azo ao apodo que minha Mãe lhe pôs. A dona do gato já tinha o vicio de mamar no seu dedo polegar direito, em simultâneo metia a cabeça do gato na concha da mesma mão, junto ao seu peito, encaixando a cabeça do gato debaixo de seu queixo. A minha Mãe ao deparar com "este filme", (como tinha o hábito de dizer), foi logo, " Mama na Burra".

É verdade, tradicionalmente, um Natal nunca vem só e, hoje mais do que nunca, são muitas prendas em melhor qualidade e quantidade. Mas a minha prenda desse Natal, foi bem dolorosa, o incidente com o gato desta minha vizinha, algum tempo depois, quando tentaram travar esse hábito dela dormir com o gato daquela maneira. Depois de tentarem por várias formas, resolveram por fim, à noite fechar tudo e levaram o gato a minha casa para que ele passasse lá algumas noites. Eu não me apercebi disso, tempo muito frio, como é natural num mês de Dezembro e poucas e más roupas na cama.

Num dado momento, meio a dormir, sinto algo mexendo-se junto à minha cara e que afastei sem ter percebido o que era. A situação repetiu-se, eu com tudo às escuras, assustado, conforme agarrei, mandei para longe de mim, continuando a não entender o que se estava a passar.

Minha Mãe tinha-se levantado mais cedo, deixou a janela aberta, terá ido tratar dos seus afazeres. Ao regressar a casa, já estava à sua espera a " Mama na Burra", que chorando muito levou minha Mãe para trás da minha casa mostrando-lhe o seu gato sangrando. Não me apercebi se o gato já estaria morto, eu com medo fugi, o que as levou a desconfiar, eu sempre a jurar que não tinha feito nada e comentava que não senhor, não veio da janela porque os gatos amandados caem sempre em pé. Não me serviu de nada, tive que continuar chorando e fugindo.

Mais tarde, minha Mãe explicou que o gato podia não ter caído em pé porque ao ser mandado pela janela terá batido com a coluna vertebral num dos arames da latada, latada que ainda existe junto à janela da casa virada para o Eido (campo, terreno). Verdade, verdade é que eu não tive a percepção de o ter mandado pela janela mas a janela era relativamente perto da cama onde eu dormia.

O gato lá teve o seu enterro e eu durante algum tempo perdi umas regalias que provinham da minha vizinha "benfeitora". Moral da história, tinha sorte com os vizinhos, mas havia sempre um azar que esperava por mim… E nesse ano foi esta a minha recordação de Natal e me ensinou que, sorte não se tem, procura-se e depois há que cuidar dela como de uma flor. Que Deus me perdoe… e a minha vizinha também. Apesar de tudo o que passei, a minha terra é rica nas suas gentes, na sua natureza e beleza e a tradição do CANHOTO DO NATAL?…(o madeiro), o calor que ele nos instalava na ALMA.

Desejo a todos um FELIZ NATAL DO DIA-A-DIA, e um próspero 2007 com o calor de Aboim da Nóbrega instalado no CORAÇÃO.

Escrito por Félix Vieira
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01/01/2007

A CRENÇA E AS CEREJAS

Até parece que estou a usar estes textos para falar de mim, mas não, eu sou só o pretexto para falar de Aboim da Nóbrega, das suas gentes e as suas vivências.

É Claro que crenças em lendas, milagres, superstições e outras formas de fé, sempre existiram e existem ainda em Aboim da Nóbrega como em qualquer parte do mundo.

Eu acalentava a ideia de que quando soubesse ler viria logo para Lisboa (o que aconteceu), mais exactamente Vila Franca de Xira, onde o meu Pai já se encontrava. Como muitos outros, meu Pai que já tinha estado na França antes de casar, na altura da 2.ª guerra mundial, tentou primeiro ir para o Brasil, era na altura o que todos queriam para sair dali. Não se ouvia ninguém dizer, vou para Braga ou Porto, era só Brasil, Brasil e quando isso não se conseguia então ia-se para Lisboa. Meu Pai até chegou a vender um campo para ver se ia para o Brasil, mas depois de lhe "comerem o dinheiro", lá lhe deram a volta e ele não foi mesmo. Já quando eu era adulto, meu Pai foi-me confidenciando que lhe pareceu ter havido ali dedinho da PIDE (polícia política daquela época).

Em princípio de um mês de Maio e um Sol forte de Primavera, trajando eu em fralda, explicando bem: lá dizia-se andar em fraldas, aquele que só trazia uma camisa vestida, era o que havia. As árvores em flores umas, e já com frutos outras, mostravam-se atraentes por todo o Eido (campo dos meus pais). Um dia vindo eu nesse Eido subindo até à casa, deparei-me com minha Mãe, de barriga muito grande, já próximo do fim do tempo de gravidez, sentada num portelo sobre uma parede de pedra que lá existia à entrada do Quinteiro (quintal pequeno), onde agora está a cancela de ferro da entrada.

Com seus olhos rasos de lágrimas brilhantes como que sorrindo com ironia. Olhou-me afagando-me a cabeça, continuou fitando uma cerejeira já velhinha que para o lado do muro que a separava de um caminho, tinha um tronco muito viçoso e foi nesse tronco lá em cima na horizontal que apareceram as primeiras cerejas. Os nossos olhos comunicavam muitos pensamentos e minha Mãe exclamou "ai que eu comia aquelas cerejinhas" (que estavam pouco mais que a pintar).

Veio-me à cabeça, com muita insistência, o que já tinha ouvido muitas vezes de que, quando uma grávida tivesse um desejo e o não satisfizesse, a criança nascia de boca aberta, havia ainda outros que falavam de mais consequências .

Enchi-me de coragem, apertei a camisa à cintura com uma corda para que fizesse de bornal quando eu metê-se as cerejas para o seio. Ai vou eu, gatinhando cerejeira a cima e minha Mãe sempre dizendo "cuidado meu filho que tu cais" e observando ávida de desejo pelas cerejas. Chegado a essa pernada mais viçosa que era em forma de lomba com alguns rebentos novos ainda tenrinhos e que eu esmaguei um pouco gatinhado sobre eles deixando aquilo húmido. Chegado lá, toca de meter cerejas para o seio enquanto cabiam e minha Mãe dizendo "anda meu filho que já chegam".

No regresso é que foi o bô (bom) e o bonito, como era uso lá dizer-se, lá me fui fazendo ao tronco em lomba horizontal e mais ou menos a meio dele, aí venho eu a rolar. Devo ter desmaiado. Lembro-me muito bem que quando os meus olhos voltaram a ver estava a minha Mãe a chorar na minha frente comendo cerejas e comigo muito junto ao seu peito. Esse local era numa eira que havia ao lado direito da entrada para a casa de Dona Carminha, "dos d'Arauja". Percebi depois que foi ali que minha Mãe veio pedir ajuda, porque estavam ali pessoas a trabalhar nessa eira que me terão feito o curativo (sabe se lá como) e me ataram um pano branco na cabeça que eu pareceria mais um árabe.

Umas semanas depois, nascem os dois dum bentre (ventre). Primeiro o meu irmão Domingos, que veio a falecer cerca de dois anos após. E minutos depois nasce minha irmã Rosa, que está agora emigrada em França.

Digam lá se não valeu a pena ter ido às cerejas…? Era um garoto cheio de sorte nos azares, não era?

É fácil perceber que o que se passou com minha Mãe, não era uma situação vulgar do desejo de uma senhora no início da sua gravidez, mas sim, a necessidade de procurar alimentos...

Escrito por Félix Vieira
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30/12/2006

INOVAÇÃO CULINÁRIA

DOBRADA À PESCADOR

Quem não conhece a Dobrada à Portuguesa... Na cidade do Porto chama-se Tripas à moda do Porto e noutras zonas dizem apenas Feijoada, Não confundir com a feijoada à Transmontana, que é confeccionada de modo diferente.

Esta Dobrada à Portuguesa tradicional é feita, como se sabe, com as respectivas tripas de Vaca, feijão branco, cozinham-se com chouriço, toucinho (barriga de porco) e é claro depois de um bom estrugido (refugado).

Se pretender-mos, em vez de ser à Portuguesa, ser Dobrada à Espanhola, basta substituir o feijão branco por grão (grão de bico).

Com a chegada da doença das "Vacas Loucas", a procura deste prato começou a decrescer, bem como outros pratos afins que fossem confeccionados a partir do gado bovino.

Aqui entra a inovação. Estava eu no restaurante de um rapaz amigo, quando veio à baila,a cada vez menos venda da dobrada. Foi quando eu tive a ideia de lhe dizer "porque que não inovas…?" De seguida fez-lhe o convite para nos dirigir-mos ao mercado da Ribeira, que ficava no Cais do Sodré ali perto, em Lisboa, onde começa a linha de comboio que vai até Cascais.

Entramos no mercado, dirigimo-nos ao sector da venda de peixes e disse-lhe, apontando para os Búzios grandíssimos com mais de 1 kg cada, " está aqui a solução para aumentares o teu negócio, basta substituíres a dobrada pelos búzios e já está". E aconteceu INOVAÇÃO. O negócio dele aumentou, criou fama, as pessoas fazendo fila na rua e muitas comentando que a princípio não sabiam se aquilo era ou não carne.É evidente que as carnes como o toucinho e o chouriço mantiveram-se sempre que se cosinhava a Dobrada com buzios. Consequência, foi preciso comprar a loja ao lado, para aumentar o tamanho do Restaurante, meu amigo baptizou o novo cozinhado de Dobrada à Pescador.

Conhece outros pratos inovadores? Comemte.

Escrito por Félix Vieira
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